Cruz de Borgonha

Alma Cruzada



Teologia da Libertação

A Teologia da Libertação é um movimento teológico surgido na América Latina na década de 1960, tendo como expoentes Gustavo Gutiérrez (Peru), Leonardo Boff (Brasil), Jon Sobrino (El Salvador), Juan Luis Segundo (Uruguai) e Clodovis Boff (Brasil), encontrando seu primeiro marco no livro Teología de la Liberación (1971) de Gutiérrez; profundamente influenciada pelas lutas sociais, políticas e econômicas de seu tempo, foi inicialmente recebido com entusiasmo por setores liberais-progressistas da Igreja Católica, mas desde seus primórdios suscitou cautela, crítica e posterior condenação pela Santa Sé, notadamente durante o pontificado de São João Paulo II e sob a supervisão da Congregatio pro Doctrina Fidei, dirigida pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, zeloso pela integridade da doutrina católica.

A Teologia da Libertação intenta erigir-se como uma exegese pretensamente cristã das realidades sociopolíticas, privilegiando, sob o véu de uma hermenêutica enviesada, a retórica da "libertação dos oprimidos" e uma leitura das Sagradas Escrituras filtrada pelo prisma da luta contra a opressão, com ênfase particular nos Evangelhos sinóticos de São Mateus e São Lucas, e na assim denominada "opção preferencial pelos pobres", elevada a princípio axial da mensagem evangélica. Todavia, à luz da autêntica doutrina católica, tal perspectiva configura uma subversão do depósito revelado, porquanto subordina a ordem sobrenatural da Redenção à mera justiça temporal, e, em seus desdobramentos mais radicais, degenera em perigosa contaminação do Evangelho pela ideologia marxista, assimilando-lhe os pressupostos de análise classista, de antagonismo contra o capitalismo e de contestação da sacralidade da propriedade privada, hauridos diretamente da matriz materialista, secular, ateia e anticristã de Karl Marx e Friedrich Engels.

O risco doutrinal, pois, subsiste segundo o Magistério luminente do Eminente Cardeal Joseph Ratzinger, a Santa Igreja, Corpo Místico de Cristo, jamais pode ser reduzida ou instrumentalizada a mero agente de manobras político-revolucionárias, sob pena de se incorrer em gravíssima confusão entre o augusto Reino de Deus, eterno e sobrenatural, e efêmera quimera de utopia socialista.

A verdadeira libertação não se confunde com projetos de engenharia social, emancipações políticas ou equilíbrios econômicos, mas possui caráter eminentemente sobrenatural, radicado no mistério redentor de Cristo que, pela graça, liberta o homem do cativeiro do pecado e da condenação eterna; toda tentativa de reduzi-la à esfera meramente temporal constitui adulteração herética da mensagem evangélica e profanação da sua essência salvífica.

Um dos representantes da corrente libertacionista no Brasil é o bispo Dom Vicente Ferreira, cujas expressões pastorais revelam uma tendência de desvalorização da Tradição Devocional da Igreja: ao referir-se à Consagração Nacional a São Miguel Arcanjo — ato profundamente enraizado no espírito da Cristandade e confirmado pela veneração angélica já exaltada por São Gregório Magno — como "esse negócio", profere um juízo depreciativo incompatível com a reverência devida ao Príncipe das Milícias Celestes; ademais, ao afirmar que sem "luta em favor dos pobres" o Altíssimo não escuta a oração, introduz um condicionamento sociopolítico à eficácia da súplica, substituindo a pureza da intenção, a contrição sincera e o estado de graça — requisitos perenes da oração católica — por uma praxis de matriz ideológica, ecoando os métodos de Gutiérrez e Boff, em que a ação política é erigida em critério de verdade teológica; tal perspectiva, marcada pela dicotomia entre "crenças que libertam" e "crenças que alienam", recorre à hermenêutica marxista que reduz a Religião a instrumento de opressão ou libertação, subvertendo a missão sobrenatural da Igreja e confinando-a a uma plataforma política, em oposição ao Magistério que, desde a Libertatis Nuntius (1984), adverte contra a confusão entre o Sacramento da Salvação Universal e os sistemas ideológicos transitórios, os quais, em sua lógica imanentista, obscurecem o verdadeiro centro do Cristianismo: a Redenção em Nosso Senhor Jesus Cristo e a busca da santidade eterna.

A Teologia da Libertação, ao absolutizar a oposição entre ricos e pobres, incorre num erro hermenêutico grave: interpreta passagens como a do jovem rico (Mt 19,16–24) ou a parábola do rico e Lázaro (Lc 16,19–31) segundo a chave marxista de luta de classes, como se a condição econômica fosse critério último da salvação. Ora, a Tradição Católica sempre ensinou — de Santo Agostinho a Santo Tomás — que a bem-aventurança eterna depende não da posse ou carência de bens, mas do uso virtuoso deles em conformidade com a lei de Deus. O rico, se desapegado e generoso, pode alcançar o Céu tanto quanto o pobre resignado e fiel; e o pobre, se dominado pela inveja ou pecado, pode perder-se tanto quanto o rico avarento. Cristo não canoniza a miséria material, mas o espírito humilde (Mt 5,3); não condena a riqueza em si, mas o apego a ela (1Tm 6,9–10). Portanto, a dicotomia absoluta entre ricos condenados e pobres salvos é uma redução ideológica, estranha à Revelação, que subverte a universalidade da graça e a justiça divina.

A pretensão de reduzir Nosso Senhor Jesus Cristo a um propagador de ideologias modernas, como o comunismo ou o socialismo, constitui erro grave de interpretação e perversão doutrinal. A Teologia da Libertação, ao observar episódios como a partilha dos pães aos famintos (Mc 6,41; Jo 6,11) ou a associação de Cristo com publicanos e pecadores (Lc 19,1–10; Jo 8,3–11), pretende extrair dessas ações humanas critérios econômicos ou sociais de distribuição igualitária, projetando sobre o Divino Redentor categorias que só existem no mundo temporal. Tal leitura ignora o contexto da Revelação: a multiplicação dos pães e a comunhão com os marginalizados não visam a estabelecer um sistema de propriedade coletiva ou uma revolução econômica, mas manifestam a caridade sobrenatural de Deus, que sustenta e alimenta espiritualmente todos, ricos e pobres, em conformidade com a lei moral e a graça. Jesus ensina a partilha e a misericórdia como virtudes pessoais, não como imposição política; e a amizade com pecadores serve à conversão e à salvação de suas almas, não à promoção de ideologias humanas. Reduzir Cristo a um socialista ou comunista é, portanto, erro herético e escandaloso, pois subverte a primazia do Reino de Deus sobre as realidades temporais, confundindo a Redenção eterna com utopias terrestres transitórias, e instrumentaliza a Sagrada Escritura para fins estritamente ideológicos, o que a Tradição Católica, desde São Tomás de Aquino até Bento XVI, condena enfaticamente.

A verídica e suprema solução do homem e da mulher católicos empobrecidos não jaz em quaisquer engenhos políticos, sociais ou econômicos, mas reside no augusto e insondável mistério da Redenção operado pelo Verbo Encarnado, Nosso Senhor Jesus Cristo; porque somente a graça sobrenatural, infundida pelos Sacramentos e cultivada na vida de oração, penitência e virtude heroica, liberta a criatura da escravidão do pecado e da miséria eterna. O pobre, portanto, não é convocado à santidade por lutas ideológicas ou pela redistribuição material segundo juízos humanos, mas pelo ato filial e humilde de adesão à vontade divina, pelo desapego virtuoso às criaturas terrestres e pelo amor misericordioso ao próximo, ordenado à salvação de sua alma e à glorificação infinita de Deus. A participação na augustíssima Eucaristia, a veneração piedosa à Imaculada Virgem Maria e o exercício das obras de caridade autêntica — não condicionadas a interesses mundanos ou ideológicos — constituem o verdadeiro socorro e alívio do sofrimento humano, pois Ele que multiplicou os pães e acolheu pecadores assim enseja: a consolação temporal deve ser vista apenas como meio de santificação e não como fim em si mesma.

Assim, a Santa Igreja, guardiã da Tradição imaculada, ensina que a pobreza, quando vivida em espírito de humildade e conformidade à lei divina, converte-se em veículo de tesouros celestiais, tornando o pobre partícipe da herança eterna prometida aos bem-aventurados ao passo que a Teologia da Libertação, invertendo esses princípios sublimes, confunde o efêmero com o eterno e instrumentaliza a caridade à ideologia, desviando a alma da única e verdadeira esperança: Cristo, Salvador e Redentor.

Concluindo com a caridade episcopal e a severidade da norma apostólica: a Teologia da Libertação nasce de uma legítima compaixão pelos pobres, mas ao reivindicar categorias socioeconômicas — e por vezes marxistas — como critério hermenêutico último, ela inverte a primazia da graça sobre a história, reduzindo a salvação a um projeto eminentemente temporal; tal deslocamento paleia a centralidade cristológica e sacramental, fragiliza a unidade e a missão sobrenatural da Igreja e abre caminho a uma religião instrumentalizada pela ideologia. O Magistério já advertiu contra essa confusão: a opção pelos pobres deve ser mantida e cultivada, mas ordenada à caridade sobrenatural, à soteriologia clássica e à Tradição apostólica, somente assim a luta por justiça social se integra à santificação das almas. Exorta-se, portanto, à correção doutrinal e à prudente reforma pastoral, para que o zelo pelos deserdados seja veículo de conversão em Cristo e não instrumento de projetos meramente terrenos.